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24.12.05

Todos reunidos na casa do Vovô e da Vovó, era dia de festa. Família grande, conversando e rindo tomando sua cerveja. Era um clima ótimo, não havia ninguém de mau-humor.

Enqüanto todo mundo se fartava de peru e nozes, Tio e Tia resolveram ir na varanda, que estava vazia. Ficaram observando o movimento na rua, que não era grande. Naquela época haviam pouquíssimas casas por perto. O lugar era quase deserto.

Passa um carro velho bem devagar e lotado de pretos (uns seis), que olham atentamente pra todos os lados, como se estivessem procurando algo. Tio fala:

- Aposto duas nozes que esses caras vão assaltar algum lugar.

- Bah, as nozes estão na mesa à disposição de todos. Aposta simbólica não vale. De qualquer forma, deixe de ser racista. Só porque eles são negros significa que vão assaltar algum lugar? Se fossem brancos dentro no carro, você ia pensar isso também?

O Tio não gostava de falar muito, e preferiu se calar diante do discurso politicamente correto da Tia.

Cinco minutos depois, os pretos voltam e param o carro na frente do portão. Ninguém dentro da casa entendeu quando Tio e Tia entraram com os braços pra cima. Pensaram que era só uma brincadeira, até o primeiro cano de escopeta aparecer na porta.

Os bandidos entraram impondo respeito. Tinham um arsenal variado, que ia de simples pistolas a traiçoeiras metralhadoras. Mandaram todo mundo deitar no chão da sala de estar. Começaram a discutir sobre onde deixar aquele povo todo, eram mais de vinte pessoas. Depois de brigas e ameaças de morte, decidiram botar todo mundo dentro do gabinete, o escritório do Vovô. Lá não cabiam vinte pessoas. Ficou um aperto do caralho. Pelo menos não fecharam a porta, dava pra entrar um arzinho pela frestinha.

E a porta do gabinete ficava exatamente em frente à porta da varanda, que tem uma escada levando ao portão. Pela frestinha que os ladrões deixaram, a família presa no gabinete podia ver sua movimentação. Eles desciam as escadas carregando televisão, aparelho de som, discos de vinil e fitas K7 que os agradavam (e que mau-gosto, levaram as piores). Pegaram também algumas roupas.

É muito difícil desenhar uma porta aberta, viu.

Fizeram uma limpeza geral na casa, mas ainda faltava o principal em qualquer assalto: as jóias, e algum dinheiro se tivesse também. Um ladrão, supostamente o chefe do bando, entrou no gabinete e chamou pelo Vovô. De algum modo, ele sabia quem era o dono da casa. Provavelmente o roubo já havia sido planejado antes.

- Cadê o dinheiro?

- No banco, ué. Ninguém guarda dinheiro em casa hoje em dia.

- Tá bom, então cadê as jóias?

- Estão penhoradas.

- Não minta, porra!

- Estou falando a verdade!

Nessa hora, o Vovô viu a arma do homem, que estava presa na calça. Era prateada, bem brilhante. Ele, que não tinha conhecimento NENHUM sobre armas, pensou que por ser brilhante a pistola era de mentira.

- ESSA ARMA É DE BRINQUEDO!!!!! HAHAHAHAHA!!!!!! ESTÃO NOS ASSALTANDO COM UMA ARMA DE MENTIRA!!!!!!

O cara se irritou e meteu-lhe uma coronhada na testa, que abriu um corte. Foi até bonzinho, podia ter dado um tiro pra provar que era mesmo de verdade. E sim, as armas eram verdadeiras. Abriu a porta do gabinete e jogou o Vovô lá dentro, deixando dessa vez uma ameaça:

- QUEM PASSAR POR ESSA PORTA AQUI VAI TOMAR BALA!!!!! MELHOR FICAR TODO MUNDO PARADO AÍ!!!!

Foram vasculhar o quarto do Vovô e da Vovó à procura do cofre. Todas as casas tinham um cofre, nessa não podia ser diferente. Aí que entra a inexperiência daqueles bandidos. Qualquer um sabe que pra esconder um cofre embutido na parede, a alternativa preferida é pendurar um espelho na frente. Sendo assim, o primeiro lugar que qualquer um deve olhar quando estiver procurando por um cofre é atrás do(s) espelho(s). Pode ser que ele não esteja ali, ou até mesmo nem seja embutido na parede, mas de qualquer forma não custa nada.

Mas os assaltantes além de serem burros por não terem olhado atrás do espelho, onde o cofre de fato estava, e com todas as jóias da Vovó e dólares do Vovô, eram também cegos. Cegos mesmo, porque qualquer quatro-olhos (eu!) com 25 graus de miopia (vai com calma, só tenho 3,5) enxergaria o que eles não viram.

Digamos que o cofre era um quadrado com 40cm de lado, e o espelho que tentava cobrí-lo era redondo com 40cm de diâmetro. Tudo certo, ele tá escondidinho? NÃO, SUA BICHA BURRA!!!! Sobram as pontas do cofre, porque como eu disse antes, o espelho era redondo, e o cofre quadrado. A coisa era mais ou menos assim:

Lembra um pouco a bandeira do Brasil, né?

Como podem ver na figura (mas já deviam saber desde quando falei as medidas), sobra cofre, mais precisamente onde tem os X´s vermelhos. Agora me diz, COMO É QUE OS BANDIDOS NÃO ENXERGARAM ISSO??? A questão ainda se agrava se eu citar que a primeira coisa avistada quando se entra no quarto é a porra do espelho. Ninguém sabe o que levou o Vovô a colocar um espelho tão pequeno e inútil cobrindo o cofre, se bem que ele nunca imaginaria ter a casa invadida por ladrões. De qualquer forma, aquilo era feio, não havia justificativa. Bem, isso é irrelevante agora.

Os bandidos vasculharam o quarto e não encontraram o cofre. Como já haviam demorado demais naquela casa, resolveram ir embora. Talvez ainda fossem roubar mais alguém naquela noite. Pela fresta da porta do gabinete, a família viu os bandidos descendo as escadas, entrando no carro e indo embora. Estavam todos em estado de choque.

O telefone então começa a tocar na sala. Apesar de terem visto os ladrões se mandando, continuavam com aquela ameaça na cabeça, e tinham medo de sair. Até que então Cunhado toma coragem e dá um passo à frente. Como era de se esperar, não havia mais ninguém por ali. Também não havia mais televisão, videocassete, aparelho de som. Ele atende o telefone esperando que fosse alguém da polícia, ou dos bombeiros, ou da CIA, quem sabe. Mas era só um parente querendo desejar, olha que ironia, um FELIZ NATAL.

O ano, 1983. A família, a minha.

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