Finalmente Dona Carmilena estava livre. Sim, seu marido morrera duas semanas atrás, e agora ela podia fazer o que quisesse. Primeiro, comprou uma passagem de ônibus de São Judas do Cabrobró a Salvador. Seu Osório não gostava de viajar, ele sempre se mijava. O coitado não suportava usar a sonda. Não conseguia. Passava o dia deitado no sofá com a benga de fora, mirando no penico bem embaixo. Era uma vida de rei.
Mas agora estava a sete palmos do chão. Alguns dizem que foi pro céu, outros pro inferno. A única certeza que se tem é que foi melhor assim. Pelo menos pra Dona Carmilena. Ela já estava cansada de passar o dia carregando penico pra cá, penico pra lá. Seu Osório bebia muito. Era bebendo e mijando. Estava constantemente bêbado, e frequentemente errava a mira. E lá vai Dona Carmilena limpar mijo no chão. Vidinha de merda.
Dona Carmilena sempre adorou seu nome. É uma homenagem a suas duas avós: Carmem e Cirena. Inicialmente chamaria-se Cecê, por causa das iniciais, mas um tio matemático propôs que fosse C², ou então Cê². Estava decidido. Foram ao cartório e pediram pra registrar como C². Era coisa chique esse nome. Mas a máquina de escrever não tinha o ². Bosta, foi o que disse o tio. Colocariam em extenso, C ao Quadrado, mas pensaram em outra forma melhor de fazer essa homenagem, o que resultou em Carmilena. A partir daquele dia, o pai dela parou de trabalhar. Disse que sua obra já estava feita.
Enfim, Dona Carmilena estava agora na capital. Pela primeira vez na vida viu prédios. E muitos. Tinha de todos os tamanhos. E eles não eram feitos com barro e pedaços de madeira. Era algum material novo, parecia bem moderno. Ela também viu umas carroças bonitas que se movimentavam sozinhas. Conservadora que é, Dona Carmilena não gostou nem um pouco. Essas modernices acabam com o mundo.
Lembrou-se da primeira - e única - fotografia que vira na vida, lá pelos idos de 1950. Era um tal de mercado. Perguntou a um rapaz onde ficava o mercado, ao que recebeu a resposta. Tem o Bompreço, o Extra, o G Barbosa. E agora, Dona Carmilena?
Mas ela estava em frente a um vendedor de cartões postais. Veio à tona em sua memória a imagem do mercado. Ele estava em uma daquelas fotografias. Perguntou ao homem como chegar naquele lugar. Ele explicou bem detalhadamente. Dê quinze passos e vire à direita. Verá então o Mercado Modelo. Mas Dona Carmilena não sabia contar. Não sabia ler, muito menos contar. E agora? Bem, então vá até aquele lugar, e vire à direita. Ótimo.
Ela estava diante do Mercado Modelo. Que emoção. Comeu um acarajé e foi andando, olhando tudo aquilo que nunca sonhou em ver. Cangas, redes, fitas do Senhor do Bonfim.
Mas seu estômago não estava acostumado a comer dendê. No máximo calango cozido, quando tinha água. Quando não tinha, era assado mesmo. Logo pediu um descanso. Não dava, não dava. Ela ia se cagar toda.
Por algum motivo desconhecido, talvez até sobrenatural, chegou ao banheiro. Mas nem sabia o que é banheiro. Isso é incrível. Em São Judas do Cabrobró ela usava um buraco no chão. Mas isso não importa. O fato é que ela está dentro do banheiro.
Mas apesar de estar no banheiro, ela não sabia como usá-lo. O que era aquilo? Um ovo partido ao meio na vertical com um pouco de água dentro, a nossa privada, e um ovo partido ao meio na horizontal com uma cobra cor-de-estrela em cima. Talvez a pia. Ela não sabia o nome das cores. E essa cobra cuspia água se batesse nela. Acima dela, tinha uma água dura. Um espelho. Conseguia ver seu reflexo naquilo, mas passava a mão e continuava seca. Além de nem se mexer. Água se mexe.
E agora? Ela descarregaria sua merda no ovo vertical ou horizontal? Escolheu o horizontal, a pia. Burrinha, coitada. Mas não deu tempo. Assim que tirou a calça, um jato marrom começou a sair de seu traseiro. Que nojo. Era como uma mangueira de bombeiros descontrolada. Melou as paredes, os ovos, a cobra cor-de-estrela, o chão. Tudo. Absolutamente tudo. Bem, a dor na barriga passou. Restava encontrar uma folha pra fazer o asseamento. Ela era expert em escolher folhas. O povo da cidade não sabe escolher folhas. Acabam pegando urtiga ou cansanção, que deixa a bunda ardendo feito Merthiolate antigo. Todos preferiam Mercúrio.
Não achou folha nenhuma, mas tinha algo parecido. Era branco e com uma consistência um pouco parecida. Mais áspero, claro. Ninguém coloca papel higiênico fofo em banheiros públicos. Pegou o rolo com as duas mãos e passou na bunda. Jogou na privada. A função dela deve ser aquela. Saiu do banheiro.
Já era noite. E agora, onde ia dormir? Bateu numa casa. Pediu pra dormir lá, mas foi colocada pra fora. Delicadamente. Dona Carmelina, a cidade não é igual São Judas do Cabrobró. Tentou outras casas, outros prédios, mas não conseguiu. Viu uma pequena aglomeração de gente deitada na rua. Uns fumando, outros cheirando alguma coisa. Mas alguns dormindo. Era ali que iria passar a noite. Se deitou no chão e adormeceu.
No dia seguinte, estava sozinha. Seu dinheiro havia misteriosamente sumido. Eram só 10 reais mesmo. Fedia mais que chulé. Mais que cecê, pra ser mais exato. Poxa, cagaram em cima dela. Mijaram também. Parece impossível, mas vomitaram. Toucinho de porco. Esse povo da capital é muito cruel. E agora?
Ela estava em cima de uma ponte. De repente, ouviu alguém chamando. Carmelina, sou eu. Aqui! Ela reconheceu a voz de Seu Osório. Não conseguia vê-lo, mas parecia estar lá embaixo. Deveria estar a chamando para viver a eternidade. Coitado, foi parar no inferno. Mas era melhor passar o resto da vida limpando mijo e tomando chibatadas do diabo do que sendo mijada. É, bem melhor. Se decidiu. Se jogou, e caiu em cima de um carro. Não era uma ponte, era um viaduto. O motorista e o carona morreram na hora. Ela também.
Mas a voz não era de Seu Osório. Era só o tio matemático, que estava atrás dela.
Mas agora estava a sete palmos do chão. Alguns dizem que foi pro céu, outros pro inferno. A única certeza que se tem é que foi melhor assim. Pelo menos pra Dona Carmilena. Ela já estava cansada de passar o dia carregando penico pra cá, penico pra lá. Seu Osório bebia muito. Era bebendo e mijando. Estava constantemente bêbado, e frequentemente errava a mira. E lá vai Dona Carmilena limpar mijo no chão. Vidinha de merda.
Dona Carmilena sempre adorou seu nome. É uma homenagem a suas duas avós: Carmem e Cirena. Inicialmente chamaria-se Cecê, por causa das iniciais, mas um tio matemático propôs que fosse C², ou então Cê². Estava decidido. Foram ao cartório e pediram pra registrar como C². Era coisa chique esse nome. Mas a máquina de escrever não tinha o ². Bosta, foi o que disse o tio. Colocariam em extenso, C ao Quadrado, mas pensaram em outra forma melhor de fazer essa homenagem, o que resultou em Carmilena. A partir daquele dia, o pai dela parou de trabalhar. Disse que sua obra já estava feita.
Enfim, Dona Carmilena estava agora na capital. Pela primeira vez na vida viu prédios. E muitos. Tinha de todos os tamanhos. E eles não eram feitos com barro e pedaços de madeira. Era algum material novo, parecia bem moderno. Ela também viu umas carroças bonitas que se movimentavam sozinhas. Conservadora que é, Dona Carmilena não gostou nem um pouco. Essas modernices acabam com o mundo.
Lembrou-se da primeira - e única - fotografia que vira na vida, lá pelos idos de 1950. Era um tal de mercado. Perguntou a um rapaz onde ficava o mercado, ao que recebeu a resposta. Tem o Bompreço, o Extra, o G Barbosa. E agora, Dona Carmilena?
Mas ela estava em frente a um vendedor de cartões postais. Veio à tona em sua memória a imagem do mercado. Ele estava em uma daquelas fotografias. Perguntou ao homem como chegar naquele lugar. Ele explicou bem detalhadamente. Dê quinze passos e vire à direita. Verá então o Mercado Modelo. Mas Dona Carmilena não sabia contar. Não sabia ler, muito menos contar. E agora? Bem, então vá até aquele lugar, e vire à direita. Ótimo.
Ela estava diante do Mercado Modelo. Que emoção. Comeu um acarajé e foi andando, olhando tudo aquilo que nunca sonhou em ver. Cangas, redes, fitas do Senhor do Bonfim.
Mas seu estômago não estava acostumado a comer dendê. No máximo calango cozido, quando tinha água. Quando não tinha, era assado mesmo. Logo pediu um descanso. Não dava, não dava. Ela ia se cagar toda.
Por algum motivo desconhecido, talvez até sobrenatural, chegou ao banheiro. Mas nem sabia o que é banheiro. Isso é incrível. Em São Judas do Cabrobró ela usava um buraco no chão. Mas isso não importa. O fato é que ela está dentro do banheiro.
Mas apesar de estar no banheiro, ela não sabia como usá-lo. O que era aquilo? Um ovo partido ao meio na vertical com um pouco de água dentro, a nossa privada, e um ovo partido ao meio na horizontal com uma cobra cor-de-estrela em cima. Talvez a pia. Ela não sabia o nome das cores. E essa cobra cuspia água se batesse nela. Acima dela, tinha uma água dura. Um espelho. Conseguia ver seu reflexo naquilo, mas passava a mão e continuava seca. Além de nem se mexer. Água se mexe.
E agora? Ela descarregaria sua merda no ovo vertical ou horizontal? Escolheu o horizontal, a pia. Burrinha, coitada. Mas não deu tempo. Assim que tirou a calça, um jato marrom começou a sair de seu traseiro. Que nojo. Era como uma mangueira de bombeiros descontrolada. Melou as paredes, os ovos, a cobra cor-de-estrela, o chão. Tudo. Absolutamente tudo. Bem, a dor na barriga passou. Restava encontrar uma folha pra fazer o asseamento. Ela era expert em escolher folhas. O povo da cidade não sabe escolher folhas. Acabam pegando urtiga ou cansanção, que deixa a bunda ardendo feito Merthiolate antigo. Todos preferiam Mercúrio.
Não achou folha nenhuma, mas tinha algo parecido. Era branco e com uma consistência um pouco parecida. Mais áspero, claro. Ninguém coloca papel higiênico fofo em banheiros públicos. Pegou o rolo com as duas mãos e passou na bunda. Jogou na privada. A função dela deve ser aquela. Saiu do banheiro.
Já era noite. E agora, onde ia dormir? Bateu numa casa. Pediu pra dormir lá, mas foi colocada pra fora. Delicadamente. Dona Carmelina, a cidade não é igual São Judas do Cabrobró. Tentou outras casas, outros prédios, mas não conseguiu. Viu uma pequena aglomeração de gente deitada na rua. Uns fumando, outros cheirando alguma coisa. Mas alguns dormindo. Era ali que iria passar a noite. Se deitou no chão e adormeceu.
No dia seguinte, estava sozinha. Seu dinheiro havia misteriosamente sumido. Eram só 10 reais mesmo. Fedia mais que chulé. Mais que cecê, pra ser mais exato. Poxa, cagaram em cima dela. Mijaram também. Parece impossível, mas vomitaram. Toucinho de porco. Esse povo da capital é muito cruel. E agora?
Ela estava em cima de uma ponte. De repente, ouviu alguém chamando. Carmelina, sou eu. Aqui! Ela reconheceu a voz de Seu Osório. Não conseguia vê-lo, mas parecia estar lá embaixo. Deveria estar a chamando para viver a eternidade. Coitado, foi parar no inferno. Mas era melhor passar o resto da vida limpando mijo e tomando chibatadas do diabo do que sendo mijada. É, bem melhor. Se decidiu. Se jogou, e caiu em cima de um carro. Não era uma ponte, era um viaduto. O motorista e o carona morreram na hora. Ela também.
Mas a voz não era de Seu Osório. Era só o tio matemático, que estava atrás dela.
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